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Recordando Mohammed Bhar

Mohammed Bhar era um homem palestino de 24 anos de Shujaʿiyya, um bairro densamente povoado da Cidade de Gaza. Ele nasceu com síndrome de Down e vivia com autismo, condições que moldaram sua dependência da família e seu comportamento tranquilo, majoritariamente não verbal. Amigos e vizinhos o lembravam como uma presença silenciosa que gostava de sentar perto da janela para observar a vida na rua, facilmente assustado por sons altos e dependente das vozes reconfortantes de seus pais.

Em uma região onde o barulho, o medo e as explosões são constantes, o silêncio de Mohammed era seu refúgio – e a responsabilidade de seus pais. Eles viveram suas vidas protegendo-o da crueldade do mundo. Ele não era político; não era um combatente. Era simplesmente um ser humano que precisava de cuidado e bondade – e que, tragicamente, não encontrou nenhum dos dois no momento de sua morte.

Circunstâncias que levaram à sua morte

Em 3 de julho de 2024, soldados israelenses entraram em Shujaʿiyya. Eles chegaram blindados, com fuzis e um cão militar da Unidade Oketz. Quando invadiram o apartamento da família Bhar, Mohammed ficou paralisado de medo. Ele não conseguia entender os comandos gritados; mal podia processar o caos ao seu redor. Em questão de segundos, os soldados soltaram o cão. Testemunhas e seus pais lembram do animal rasgando seu braço e peito, o pequeno cômodo ecoando com seus gritos. Sua mãe tentou alcançá-lo, mas foi puxada para trás pelos soldados, seu pai foi imobilizado contra a parede. Eles foram então algemados e levados embora, forçados a abandonar sua casa enquanto seu filho sangrava no chão.

Por dias, os pais foram detidos. Quando finalmente foram libertados, correram de volta pelas ruas destruídas e encontraram o que restava de seu filho: seu corpo em decomposição, o sangue acumulado nas rachaduras do concreto, o cheiro da morte onde ele outrora observava o mundo através de uma janela. Eles o lavaram e enterraram, incapazes até mesmo de pedir ajuda oficial em meio aos combates.

Uma vida humana – vulnerável, com deficiência, dependente – foi apagada e abandonada sem registro ou remorso.

3. A preocupante história dos cães nas FDI

O assassinato de Mohammed não foi um evento isolado. Faz parte de um padrão preocupante: o uso documentado pelo exército israelense de cães para intimidar, ferir e humilhar palestinos.

Alguns testemunhos descrevem cenas de degradação tão graves que borram a linha entre tortura física e psicológica: cães forçados a comer ou urinar perto de prisioneiros amarrados, ou a simular dominação sexual. Embora nem todas as alegações possam ser verificadas independentemente, o padrão de humilhação e desumanização é consistente ao longo de anos de relatórios.

Nesse contexto, o ataque que matou Mohammed Bhar não foi uma anomalia, mas o culminar sombrio de uma prática institucional – uma que utiliza o medo humano de animais para impor controle e terror.

4. O sistema de impunidade sob a lei militar israelense

No sistema jurídico israelense, os palestinos praticamente não têm acesso à justiça. Todas as supostas ofensas de soldados nos territórios ocupados estão sob a jurisdição do Procurador Militar das FDI (MAG), e não dos tribunais civis.

O MAG decide sozinho se abrirá uma investigação, e quase sempre recusa. De acordo com as estatísticas da Yesh Din de 2023, de centenas de queixas palestinas entre 2019 e 2023, apenas 0,7 por cento resultaram em acusações. Mais de 80 por cento foram encerradas sem sequer abrir uma investigação.

As vítimas palestinas não podem apresentar queixas criminais diretamente; elas devem depender de ONGs israelenses para apresentar petições em seu nome. Restrições de viagem, barreiras linguísticas e a falta de transparência no sistema militar tornam a participação quase impossível. Até mesmo ações civis são bloqueadas: emendas à Lei de Danos Civis de Israel (2012) isentam o estado de responsabilidade por danos ocorridos em “zonas de combate”.

Essa arquitetura de impunidade significa que a mesma instituição acusada de irregularidades decide se investigará a si mesma. No caso de Mohammed Bhar – como na maioria dos outros – nenhuma investigação foi aberta, nenhum soldado foi interrogado, nenhuma responsabilidade foi buscada.

5. Implicações sob o direito internacional

Sob o direito humanitário internacional (IHL), o direito internacional dos direitos humanos (IHRL) e o Estatuto de Roma da Corte Penal Internacional (CPI), o assassinato de Mohammed Bhar pode constituir um crime de guerra e uma grave violação das Convenções de Genebra.

a. Convenções de Genebra

b. Estatuto de Roma (CPI) Os Artigos 8(2)(a)(ii) e (iii) definem assassinato intencional e tratamento desumano como crimes de guerra; o Artigo 8(2)(b)(xxi) proíbe ultrajes à dignidade pessoal. Se comprovado intencional, o ato de soltar um cão sobre um não combatente e negar ajuda satisfaz esses elementos. Padrões repetidos de tais atos podem atingir o limiar de crimes contra a humanidade sob os Artigos 7(1)(f) e 7(1)(h).

c. Tratados de direitos humanos As obrigações de Israel sob o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ICCPR), a Convenção contra a Tortura (CAT) e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CRPD) proíbem tortura, privação arbitrária da vida e discriminação. As deficiências de Mohammed conferem ao caso um peso especial sob o Artigo 10 da CRPD (direito à vida) e o Artigo 15 (liberdade de tortura).

d. Responsabilidade de comando e estatal Sob o direito internacional consuetudinário e o Artigo 28 do Estatuto de Roma, os comandantes podem ser penalmente responsáveis se souberem ou deveriam saber de abusos e não os prevenirem ou punirem. Israel, como estado, é responsável por atos ilícitos e por sua falha em investigá-los.

Juntos, esses quadros deixam pouca dúvida de que a morte de Mohammed Bhar é um assassinato ilegal sob o direito internacional.

Reação internacional

A notícia da morte de Mohammed Bhar ecoou em círculos humanitários e de direitos das pessoas com deficiência.

No entanto, além da condenação, nenhum estado ou organismo internacional buscou responsabilidade. A ausência de justiça reforça a sensação de que as vidas palestinas – especialmente as dos mais vulneráveis – permanecem desprotegidas pela ordem internacional que afirma defendê-las.

Ecos dos capítulos mais sombrios

Para compreender plenamente a gravidade moral da morte de Mohammed Bhar, é preciso olhar além de Gaza, para o espelho sombrio da história.

O assassinato de um homem com deficiência abandonado para morrer evoca as histórias mais sombrias da humanidade: as ideologias eugênicas que outrora consideravam tais vidas indignas, o programa Aktion T4 nazista que exterminou pessoas com deficiência, a crueldade colonial e institucional que apagou os diferentes.

Quando um soldado pode ordenar que um cão despedace um homem que nem sequer pode falar, isso revive a mesma lógica antiga de desumanização – que algumas vidas valem menos. A história nos alertou sobre o que acontece quando a sociedade aceita essa crença.

Uma violação do sagrado: A lei moral judaica e o valor da vida

A tragédia de Mohammed Bhar também fere o coração moral do judaísmo em si, cujos ensinamentos sobre a santidade da vida estão entre os mais antigos e inflexíveis da história humana. Dois princípios fundamentais – Pikuach Nefesh e B’tselem Elohim – tornam as circunstâncias de sua morte não apenas uma indignação humanitária, mas uma profanação profunda da lei ética judaica.

Pikuach Nefesh – O dever de salvar vidas

Na lei judaica, Pikuach Nefesh sustenta que salvar uma única vida tem precedência sobre quase qualquer outro mandamento. O Talmud ensina: “Quem salva uma vida, é como se tivesse salvo o mundo inteiro.” Mesmo no Shabat, quando quase todo trabalho é proibido, uma pessoa deve violar a lei para resgatar alguém em perigo. Ignorar uma pessoa ferida – qualquer pessoa – é violar esse dever sagrado.

Os soldados que deixaram Mohammed sangrando violaram não apenas as normas internacionais, mas este mandamento central de sua própria tradição religiosa. Sob Pikuach Nefesh, eles eram obrigados a lhe prestar ajuda, a preservar sua vida acima de tudo. Abandoná-lo não foi apenas um ato de violência – foi, na linguagem moral judaica, um chilul Hashem, uma profanação do nome de Deus.

B’tselem Elohim – À imagem de Deus

Desde o início do Gênesis vem a declaração: “E Deus criou o homem à Sua imagem.” Essa ideia – B’tselem Elohim – é o fundamento da ética judaica e, por meio dela, do direito moderno dos direitos humanos. Ela afirma que cada ser humano, independentemente de nacionalidade, fé ou deficiência, carrega uma dignidade divina.

Soltar um cão sobre um homem que não podia se defender foi negar essa imagem, agir como se a centelha divina existisse apenas em um povo e não em outro. Esse pensamento é exatamente o que os profetas condenaram. O grito de Isaías – “Parem de fazer o mal; aprendam a fazer o bem; busquem a justiça, ajudem os oprimidos” – exige o reconhecimento do divino em cada vida.

O ato que matou Mohammed Bhar, portanto, violou não apenas o direito humanitário, mas também os mandamentos mais profundos da tradição moral judaica. Traiu a fé que insiste que a preservação da vida transcende fronteiras e que a crueldade contra qualquer ser humano é uma afronta ao Criador.

O acerto de contas moral

Para um povo cuja própria história carrega a memória da perseguição, o imperativo moral não poderia ser mais claro. A grandeza do judaísmo não reside no poder, mas na compaixão; sua santidade não é medida pela conquista, mas pela misericórdia. Invocar a segurança como justificativa para a crueldade é trocar a ética da Torá pela lógica do Faraó.

Honrar Pikuach Nefesh e B’tselem Elohim hoje significa afirmar que a vida de Mohammed Bhar – embora palestino, com deficiência e pobre – era sagrada. É reconhecer que sua morte não foi apenas uma tragédia humana, mas um fracasso espiritual, uma traição à imagem divina em todos nós.

Epílogo: Prestar testemunho

Recordar Mohammed Bhar é recusar a apagação silenciosa que frequentemente segue as atrocidades. Ele não era um combatente, não era uma ameaça, nem mesmo era capaz de entender os comandos gritados contra ele. Era um jovem com síndrome de Down e autismo, preso em um apartamento enquanto soldados e seu cão transformavam sua casa em um lugar de terror. Era uma pessoa cuja vida deveria ter sido protegida, cujas vulnerabilidades deveriam ter invocado compaixão, não violência.

Seu assassinato remove qualquer pretexto de justificativa e expõe a verdade crua: a crueldade começa onde a empatia termina, e o valor da lei é medido por se ela defende os impotentes. Sua história exige mais do que piedade. Exige que olhemos diretamente para o sistema que permitiu isso: um regime de ocupação que normaliza a crueldade, uma ordem internacional que a justifica, e uma fadiga moral coletiva que permite que a tragédia se repita.

O que resta é o dever de lembrar – não como um gesto sentimental, mas como uma exigência de clareza moral. Sua morte pertence ao registro da história não como uma anomalia, mas como um aviso. Uma sociedade que pode olhar para o corpo ensanguentado de um homem com deficiência e não sentir nada deu um passo pelo mesmo caminho que as civilizações passadas percorreram rumo à ruína.

Recordá-lo é dizer seu nome em desafio a essa indiferença. Mohammed Bhar. Um filho. Uma vida que importava. Uma ferida na consciência do mundo.

Referências

Relatos primários e cobertura jornalística

  1. “O assassinato de Mohammed Bhar.” Wikipedia, última atualização em 2025.
  2. Le Monde (julho de 2024). “Em Gaza, o sofrimento de um jovem com síndrome de Down morto por um cão do exército israelense.”
  3. Haaretz (julho de 2024). “Homem de Gaza com síndrome de Down morto por cão de ataque das FDI.”
  4. The Guardian / ARIJ (junho de 2025). “Armas de guerra: O uso de cães de ataque por Israel.”
  5. ReliefWeb / Islamic Relief Worldwide (julho de 2024). “Islamic Relief devastada pelo assassinato de Mohammed Bhar e pede investigação.”
  6. Down Syndrome International (julho de 2024). “Declaração sobre a morte de Mohammed Bhar em Gaza.”

Documentação de direitos humanos e jurídicos

  1. B’Tselem – Centro de Informação Israelense para Direitos Humanos nos Territórios Ocupados (2015). Quando os Cães Mordem: O Uso de Cães para Fins Militares nos Territórios Ocupados.
  2. HaMoked – Centro para a Defesa do Indivíduo (2019). Abusos em detenção: Testemunhos das prisões de Ofer e Megiddo.
  3. Breaking the Silence (2014-2023). Testemunhos de ex-soldados das FDI sobre o uso de cães e o tratamento de detentos.
  4. Yesh Din – Voluntários pelos Direitos Humanos (2023). Ficha de dados: Aplicação da lei sobre soldados das FDI na Cisjordânia 2019-2023.
  5. Human Rights Watch (2021). Um limiar cruzado: Autoridades israelenses e os crimes de apartheid e perseguição.
  6. Comitê da ONU contra a Tortura (CAT/C/ISR/CO/5) (2016 e 2022). Observações finais sobre os relatórios periódicos quinto e sexto de Israel.
  7. Escritório do Alto Comissário para Direitos Humanos (OHCHR) (2024). Relatório do Relator Especial sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Direito internacional e tratados

  1. Convenções de Genebra (1949) e Protocolos Adicionais I e II (1977).
  2. Estatuto de Roma da Corte Penal Internacional (1998).
  3. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ICCPR) (1966).
  4. Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (CAT) (1984).
  5. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CRPD) (2006).
  6. Comissão de Direito Internacional (2001). Artigos sobre a responsabilidade dos estados por atos ilícitos internacionais.

Fontes éticas e teológicas judaicas

  1. Bíblia Hebraica / Tanakh. Gênesis 1:26-27 – o homem criado b’tselem Elohim (à imagem de Deus).
  2. Talmud Bavli, Sanhedrin 37a. “Quem destrói uma única vida, é como se tivesse destruído o mundo inteiro; quem salva uma única vida, é como se tivesse salvo o mundo inteiro.”
  3. Talmud Bavli, Yoma 85b. Princípio de Pikuach Nefesh – salvar uma vida tem precedência sobre quase todos os mandamentos, mesmo no Shabat.
  4. Mishneh Torah, Hilchot Shabbat 2:1 (Maimônides). “O perigo à vida tem precedência sobre o Shabat.”
  5. Rabino Jonathan Sacks (2011). A Dignidade da Diferença: Como Evitar o Choque de Civilizações. Londres: Continuum.
  6. Rabino Abraham Joshua Heschel (1965). Os Profetas. Nova York: Harper & Row – sobre justiça e a imagem divina.

Análises secundárias e contexto

  1. Physicians for Human Rights – Israel (2020). Entre as Linhas: Negligência médica e obstrução em zonas de conflito.
  2. Amnesty International (2023). Israel/OPT: Padrão de impunidade para assassinatos em zonas de guerra.
  3. Escritório do Procurador da Corte Penal Internacional (2021). Situação no Estado da Palestina: Relatório de exame preliminar.
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